O ÔNIBUS DO HORROR

O ônibus do horror Um dia chuvoso na agitação de uma cidade, horário de pico. O ônibus 247 da Viação Boa Viagem fazia seu trajeto habitual pelo centro da cidade, com itinerário para um bairro da periferia, cerca de 3 quilômetros. O motorista faz paradas ante solicitações em cada ponto, e as pessoas vão se amontoando nas cadeiras e no corredor, até que o veículo fica lotado. A lotação máxima acontece muito antes do destino, mas mesmo assim o motorista vai parando, alguns descem e muito mais gente vai subindo. É por isso que ele tem o sugestivo nome de coletivo, porque vai “coletando pessoas como se fossem contribuição, parada após parada”, para, ao final, despejá-los em algum lugar. Essas características não deprimem o motorista, o cobrador ou muito dos passageiros, acostumados que estão às mesmíssimas coisas todos os dias. É uma parte nefasta da cruenta luta diária dos trabalhadores, mães, pais, estudantes e velhos do Brasil. E assim é em todo o território nacional: onde quer que haja um aglomerado de gente, há uma empresa explorando o ramo do transporte, mas sem dar condições humanas aos usuários. No geral são carros velhos, superlotados. Homens se esfregando, pessoas se empurrando, crianças chorando, mulheres grávidas e gente idosa reclamando um assento. Indiferente, o vagão humano segue, em sua habitual rota, para o seu destino. O espaço interno só voltará a ser habitável pouco antes da última parada. É uma arca de Noé com rodas, trafegando nas rodovias, prenhe de bichos humanos, esses resmungando de sua malfadada vida e se lamentando, fazendo careta. Que importam os descontentamentos, os odores ásperos, a falta de tato dos usuários, o cansaço, os trancos da pista? Prestes a fazer uma nova parada, um baque faz o motorista brecar bruscamente. O impacto não foi muito violento, mas mesmo assim pessoas, ainda que tentassem se segurar, caíram, formando um amontoado disforme. Uma jovem grávida do primeiro rebento, caiu sentada nas pernas de um provável cavalheiro e teve contrações, mas foi apenas um susto. O homem que tentara segurar a jovem foi arremessado para o chão devido ao peso da moça e a força do impacto. Um senhor, que já não possuía mãos firmes, foi arremessado para trás, mas foi detido de queda certa por outros homens que o rodeavam. E uma senhora, que carregava sacolas, decidiu que iria esperar a normalidade para recolher os pertences despejados. O condutor olhou o amontoado humano e esboçou um sorriso intranquilo. Aquilo não deveria estar acontecendo na sua viagem final. Desceu e olhou rapidamente o que havia acontecido. Tinha atropelado um cãozinho de rua, mas isso não causou avarias ao veículo. Podiam continuar. Quis esticar os braços acima da cabeça, entrelaçar os dedos, dar uma volta completa ao redor do veículo, mas estava chovendo ainda. Então, simplesmente cuspiu e voltou ao assento para dar partida no carro. Tinha para si que umas cinquenta pessoas desejavam findar esse dia difícil e careciam de comida e de descanso, e não queria ser o elemento impeditivo. Essa falha não estava no roteiro. Não, não no ônibus dele, mas acidentes acontecem. Felizmente, tudo parecia bem com o veículo. Ao se posicionar no assento, fechou a porta por causa da chuva, girou a chave e deu partida ao veículo. Sentiu imediatamente uma dor de cabeça e começou a ter dor nos olhos e a ter visão turva. Ao olhar para o interior do ônibus, pareceu que o amontoado de gente estava tossindo. Retomou a direção do veículo e, em direção reta, fez o carro despencar num barranco. Levou pouco mais de duas horas para chegar o socorro. Um homem que tentou ajudar não teve sucesso, pois não possuía ferramentas grandes de corte. As portas estavam trancadas e as janelas não se romperam com o impacto. Ele tentou desarraigar algumas janelas, mas não obteve êxito. Resolveu convocar o Corpo de Bombeiros e o SAMU. Depois dos socorros, somente uma pessoa permanecia viva: a moça grávida. Havia uma máscara sobre seu rosto. Ao seu redor, umas cinquenta ou sessenta pessoas caídas não podiam dar resposta. Encontraram um jornal sob um dos assentos, e um saco plástico no meio da gente. Um saco plástico pequeno perfurado por uma faca. O agente biológico liberado matou quase imediatamente cinquenta e três pessoas. As portas e janelas fechadas não permitiram a dissipação completa do gás, e houve momentos de horror. Assim que a totalidade do ônibus foi alcançada, passageiros ficaram incapacitados. Seus sistemas nervosos não conseguiram gerar estímulos nervosos, e suas funções vitais foram comprometidas. Tosse, ardência nos olhos, visão turva. As pessoas começaram a morrer. O terrorista se aproveitou do choque para detonar sua arma. Usou um canivete para abrir o pacote e o jogou no centro do aglomerado disforme que se fez com a batida. Ninguém saberá dizer porque um ser humano, indivíduo pensante, aparentemente vigoroso, robusto, foi capaz de algo tão estúpido contra a vida. Ninguém jamais sabe dizer. Nosso choro sempre parece em vão. Que tipo de humanidade habita esse planeta? Todavia, antes de sua ação final, algum sinal de remorso deve ter se passado por aquela cabeça, pois ele emprestou sua máscara à jovem grávida, na tentativa de preservar a vida que ela carregava. Al Yasa ibn Jivrail

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